Deficiência auditiva: é possível desenvolver a linguagem oral?

7/3/2016        

 

A surdez total ou parcial não impossibilita na evolução cognitiva do indivíduo

Ouvir, falar, sentir sabores, observar, tocar, sentir o tocar... Os sentidos humanos são repletos de peculiaridades. Há uma ligação entre todos eles, assim como existem mistificações, como: quem é surdo é mudo, o que não é realidade. Segundo o pedagogo e escritor Carlos Skliar  no livro “A surdez, um olhar sobre as diferenças” a deficiência auditiva permite um maior potencial visual, a visão nesse caso é a clareza em torno da surdez para que assim, essas pessoas possam ser incluídas e melhor compreendidas em seu meio social.

A surdez ela se apresenta de diversas formas, como surdez profunda, indivíduos que não há nenhuma forma de comunicação oral e a deficiência auditiva moderada, pessoas capazes de ouvir com o auxílio dos aparelhos e aptas a pronunciar as palavras de forma bem semelhante à normalidade da língua falada.

O autor e pesquisador ainda considera a surdez uma questão de linguagem e não só uma deficiência como costuma ser retratada, ou seja, pessoas surdas ou com deficiência auditiva leve a moderada são capazes desde que as mistificações tornem-se esclarecidas e a linguagem para esses indivíduos seja apropriada. Skliar orienta em seus trabalhos a normalidade da deficiência auditiva através do conhecimento e adequação.

A especialista em neuropsicologia Sheila Cirigola aborda que por mais que a fala seja pronunciada pela boca o processo não está relacionado com o paladar e sim através do sistema auditivo: “O senso da audição envolve ouvir, falar e inclui todo o processamento dos sons e da linguagem”, conclui.

De acordo com a neuropsicologia esclarece que a audição é um processo fundamental na infância, sobretudo para a percepção dos sons do mundo físico, como latido do cachorro, canto do pássaro e barulho da chuva. Um processo desconhecido entre as crianças que possuem perda parcial ou total da audição.

Guilherme Correa (23) tem deficiência auditiva desde o nascimento e consegue ter uma vida considerada normal através do auxílio do aparelho auditivo. O rapaz formou-se em jornalismo, uma profissão em que a linguagem oral e escrita são as principais ferramentas. Na infância Guilherme diz que sempre foi estimulado para o desenvolvimento das suas habilidades:

“O meu gosto pela leitura começou desde muito cedo. Eu tinha aqueles livrinhos infláveis com ilustrações para ver as imagens na hora do banho, livrinhos de contos de fadas e educativos. Meus pais sempre me influenciaram a leitura”, comenta.

Com 8 anos Guilherme teve dificuldades para falar por conta da implicação auditiva, foi quando iniciou o uso do aparelho para auxiliar: “A partir daí aprendi a me comunicar melhor, ouvi coisas que nunca tinha ouvido. Foi uma experiência de adaptação muito legal, porque o aparelho evoluiu com o tempo, a tecnologia está o deixando bem sofisticado e moderno”, pontua.

Ao se tratar da capacidade cognitiva em torno da deficiência na audição a especialista em neuropsicologia esclarece que na primeira infância o cérebro está ainda mais suscetível ao aprendizado. “Este desenvolvimento vai depender da família, da sociedade, da cultura e da interação entre cada uma delas. Depende também da inteligência, que é multifacetada e deriva da performance de cada indivíduo em tarefas verbais e não verbais; do modo como percebe o mundo e a si mesmo; além de outros desempenhos”, disserta.

A psicóloga ressalta a importância de determinados estímulos para crianças com deficiência auditiva incluindo a individualidade e a situação em que se encontra o indivíduo, a idade em que a deficiência foi adquirida, a realidade socioeconômica e a dinâmica da família. “Estudos evidenciam que indivíduos com deficiência auditiva têm o mesmo potencial cognitivo do que os ouvintes. Os surdos apresentam dificuldades no entendimento da comunicação e na interpretação da linguagem, mas não caracteriza propriamente uma deficiência cognitiva”, argumenta.

Guilherme reproduz a linguagem oral com alguma dificuldade, mas assistiu às aulas na universidade e diz que as atividades em que precisava usar a oratória o ajudaram no desenvolvimento da fala: "Não foi fácil na faculdade, mas aprendi bastante nas tarefas para o rádio e TV. Fiz atividades com fonoaudióloga entre os 12 e 17 anos e hoje pratico sozinho. Tenho prazer em aprender, pronunciar e conhecer palavras novas”, salienta. Guilherme conversa com o olhar também direcionado ao gestual da boca. É capaz de observar conversas à distância, não com a audição, mas com sua percepção visual aguçada. 

A deficiência de acordo com a especialista permite o estímulo de outras capacidades: "Costuma-se dizer que um cego ouve melhor do que uma pessoa ouvinte e, que um surdo enxerga melhor do que um indivíduo visual (não-cego). Bem, isto parece ser verdade, pois os deficientes auditivos apresentam um melhor desempenho em tarefas que avaliam a visão periférica, provavelmente porque desde cedo são expostos a leitura de movimentos e sinais que são necessários para a comunicação", explica. 

 

Referências:

A inclusão Social do Deficiente Auditivo, INÁCIO, Wederson: http://saci.org.br/imagens/textos/arqs/incluescolarsurdo.pdf

 

   
  Sheila Cirigola, Psicóloga
  Especialista em Neuropsicologia
  Intervenções em Situações de Emergência e Crise
  Colaboradora do LINC - Laboratório Interdisciplinar de Neurociências Clínicas do Depto. de Psiquiatria e Psicologia Médica da Unifesp



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