Crianças surdas aprendem melhor com estímulos adequados

7/3/2016        

 

 

 “A audição é o sentido pelo qual a criança percebe a fala e o que o mundo todo conversa”

 A criança surda possui a inserção da linguagem de forma diferenciada, o português, por exemplo, passa a ser o segundo idioma e a Língua Brasileira de Sinais (Libras) a principal forma de se comunicar. A surdez é em diversos níveis, podendo ser um distúrbio auditivo leve, que compromete muito pouco a vida do indivíduo, chegando até a um nível de comprometimento muito alto, quando a pessoa não consegue ouvir absolutamente nada. Dentro destes vários tipos de problemas que acometem a audição encontram-se também aquelas pessoas que apesar da surdez, conseguem desenvolver plenamente a linguagem falada. Porém, quando falamos da surdez pronfunda e congenita (relacionada à hereditariedade, quando há ocorrência de casos na família), questões cromossômicas, tóxicas e outros fatores podem estar envolvidas. 

O professor da Universidade de São Paulo (USP) Fernando Capovilla avaliou em 2011 9.200 alunos surdos ou com deficiência auditiva. O que foi constatado é que crianças que têm a linguagem de sinais desde a infância como o principal idioma aprendem a ler mais cedo ao comparar com as demais que são matriculadas no ensino regular.

A Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (Feneis) é contra a inserção dos surdos em escolas comuns e defende a existência de mais espaços bilíngues especiais para o ensino de Libras e o português escrito.

A surdez interfere no desenvolvimento das capacidades cognitivas? De que forma a criança surda desenvolve sua linguagem? Como a educação e a inserção social adequada podem contribuir para o desenvolvimento destas pessoas? A especialista em neuropsicologia Sheila Cirigola esclarece. Veja:

 

O que a surdez total ou imparcial pode implicar na infância?

Ao pensar em audição, o que este sentido trás para o ser humano é a percepção dos sons do mundo físico: o latido de um cachorro, passos se aproximando, o canto do pássaro, o começo da chuva, a sinfonia de Beethoven sendo tocada por uma orquestra, a canção de ninar sendo ouvida da voz de uma mãe. Então, crianças que nascem surdas, perdem uma porção de coisas, pois não recebem nenhuma destas informações. Crianças com perda bilateral de audição em níveis superiores a 70dB são surdas e consequentemente não aprendem a falar espontaneamente. Elas não desenvolvem a linguagem falada, que contribuiria para o desenvolvimento cognitive da forma como ocorre com as pessoas sem problemas auditivos. Desta forma então surgem alguns questionamentos: O pensamento lógico, o pensamento complexo podem se desenvolver na ausência da linguagem? Essa criança pensa consigo mesma? Como se processa sua memória? Para responder a estas perguntas é necessário lembrar que o desenvolvimento cognitivo (que é a forma como se desenvolve o pensamento, seja escolhendo a cor da camisa que se vai colocar nesta manhã, seja elaborando estratégias altamente complexas para solução de conflitos internacionais) envolve muito mais do que apenas maturidade cerebral, através de vivências e experiências. Surge também como um produto das tentativas que a criança faz  para compreender a família, a escola e todo o seu mundo.

 

Quais atividades na infância podem contribuir para o desenvolvimento cognitivo da criança surda

A adoção de programas elaborados e desenhados especificamente para estas crianças demonstrou ser capaz de promover avanços em suas habilidades. O uso de informações suficientemente contextualizadas, escritas de forma simples, clara e objetiva, sem metáforas ou expressões que possam confundir o bom entendimento da matéria tratada, junto com o perfeito esclarecimento de palavras oralmente muito parecidas, como: comprimento/cumprimento, absolver/absorver, são apenas algumas das necessidades apresentadas. Pais e educadores apropriadamente treinados para ensinar essas crianças a utilizar estratégias de pensamento, também tem se mostrado bastante eficiente. Quando a criança surda se desenvolve dentro de uma família de pais surdos, a linguagem de sinais se dá desde muito cedo vindo a ser seu idioma natural (sua língua materna), neste caso o português terá que ser aprendido como se fosse um segundo idioma. Por outro lado, quando uma criança surda nasce em uma família de pais ouvintes, a mediação da linguagem de sinais ocorre mais tardiamente, depois que a criança estiver na escola ou quando a família já estiver mais familiarizada com essa linguagem e, neste caso, o aprendizado e o uso de libras não se dará de forma natural. Vale ressaltar que os primeiros anos na vida de crianças surdas, nascidas em lares cujos pais também são surdos, estarão mais adaptadas do que as crianças surdas nascidas em lares de pais ouvintes. E esta diferença precisa ser compreendida, pois apesar de surdas, elas terão demandas bastante diferentes.

 

Qual a importância da inserção da língua de sinais (libras) desde a infância?

Quanto mais cedo ocorrer o treino apropriado na educação dessas crianças, melhor será o aprendizado da linguagem de sinais e mais rapidamente se dará o desenvolvimento do convívio social. Enquanto isso não acontece, preciosos anos poderão ser perdidos no desenvolvimento da linguagem, até que ela entre na escola. Estudos evidenciam que essas crianças têm o mesmo potencial cognitivo que as ouvintes. As surdas apresentam dificuldades no entendimento da comunicação e na interpretação da linguagem, mas não caracteriza propriamente uma deficiência cognitiva. O desempenho acadêmico dessas crianças vai depender das tarefas solicitadas. Quando verbais, que requeiram o uso da linguagem falada pelo domínio de vocabulário, da gramática e da sintaxe, essas crianças terão uma tendência a demonstrar desempenho inferior, mas este resultado varia de acordo com o grau de comprometimento da criança. Porém, quando as tarefas forem não-verbais (linguagem de sinais, por exemplo), as crianças tenderão a apresentar um desempenho igual ou superior ao apresentado por crianças ouvintes. Este desempenho dependerá enormemente do momento em que ocorrer a introdução da linguagem de sinais. Quanto mais cedo for introduzida, melhor será o seu desempenho.                                                                                                            

 

 Crianças surdas podem desenvolver a linguagem oral?

O falar vai depender da habilidade de entender e de produzir os sons e a linguagem. A produção de uma fala totalmente articulada e compreensível é extremamente difícil para as crianças surdas. Primeiro porque elas nunca ouviram nenhuma conversa e, segundo porque a visão dos movimentos da face que as pessoas produzem ao falar, dão uma informação muito restrita do discurso que está sendo produzido, perdendo-se entonação, velocidade, volume, ritmo e tom da fala. O domínio da linguagem, uso da gramática, sintaxe e compreensão da morfologia da palavra, vai ocorrer mais tardiamente, quando essas crianças tiverem acesso a aquisição de recursos linguísticos. As dificuldades causadas pelo adiamento da aprendizagem da linguagem de sinais serão permanentes, levando ao empobrecimento da leitura e a baixa habilidade de compreender as ações e as motivações das outras pessoas. Apesar das enormes dificuldades encontradas, quando recebem o suporte adequado, essas crianças são capazes de superar inúmeros obstáculos. A criança surda, que não venha a ser exposta a linguagem de sinais desde o início da vida, tenderá a apresentar uma linguagem própria, criada espontaneamente, manifestada através de gestos que comuniquem suas próprias expressões. Ela poderá por exemplo, apontar para uma maçã, depois apontar para sua própria boca abrindo e apontar novamente para sua própria boca fechando, a fim de dizer que “deseja comer uma maçã” ou, que “já comeu uma maçã”. Esta gesticulação poderá no futuro, vir a combinar com ideias e proposições, da mesma forma como uma criança ouvinte combina palavras e ideias e ambas formularem suas expressões. As crianças surdas, que aprendem a linguagem de sinais como idioma natural, tendem a desenvolver uma maior percepção de estímulos visuoespaciais, uma vez que aprendem rapidamente a reconhecer diferenças sutis na linguagem de sinais. Isso facilita o reconhecimento de movimentos, desenvolve habilidades de percepção de imagens mentais e de memória visual.

 

As funções cerebrais são modificadas em indivíduos com surdez?

A organização cerebral parece se alterar um pouco. No caso de crianças surdas, o propósito seria o de compensar os efeitos sensoriais, uma vez que não ocorre a entrada dos sons. Além disso, ocorre o desenvolvimento e aprendizagem de uma gramática visual e espacial, necessária para que o indivíduo se comunique efetivamente através da linguagem de sinais. Ao que parece, se não é possível desenvolver uma linguagem oral, essas crianças desenvolvem uma linguagem visual e espacial, mas de qualquer forma a linguagem se desenvolve. O cérebro jovem é bastante plástico e vai usar toda a sua capacidade. Quando a informação auditiva não puder ser utilizada, o cérebro utilizará recursos provenientes das informações visuais para fazer com que o mundo faça sentido. O cérebro humano é notavelmente flexível. O lado esquerdo onde ocorrem os processos da lin

guagem, vão processar a linguagem, não importando se ela for auditiva ou visual. Já a organização cerebral de todas as demais funções, como: emoções, sentimentos, sensações táteis, etc, serão idênticas a de qualquer outra pessoa.

 

Referências:

Educar para Crescer: http://educarparacrescer.abril.com.br/comportamento/inclusao-surdez-752480.shtml

Último Segundo iG: http://ultimosegundo.ig.com.br/educacao/criancas+surdas+aprendem+mais+rapido+em+libras/n1597048327079.html 

 

   
 
  Sheila Cirigola, Psicóloga
 
  Especialista em Neuropsicologia
 
  Intervenções em Situações de Emergência e Crise
  Colaboradora do LINC - Laboratório Interdisciplinar de Neurociências Clínicas do Depto. de Psiquiatria e Psicologia Médica da Unifesp



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