A infância hoje: embalada pelo “terror” da obesidade

21/1/2016        

 

 

 

PEDIATRA ESCLARECE ALGUNS ASSUNTOS EM TORNO DA ALIMENTAÇÃO INFANTIL

 
 
 
 
 
 
 “A obesidade é um quebra-cabeças complexo e a ciência ainda não tem ideia nem de quantas peças ele tem. Estudos já relacionaram o aumento da obesidade infantil com causas genéticas, falta de aleitamento materno, uso de fórmulas infantis, tipo de parto, aumento do peso da mãe durante a gestação, stress gestacional, peso ao nascer, microbiota intestinal e muitos outros. Mas, na minha opinião, as causas mais importantes são as comportamentais.” Pediatra Denise Lellis Garcia
 
 
 
 
 
 
Por volta dos seis meses de idade os dentes começam a despontar na gengiva da criança e muitos pais já começam a introdução de outros alimentos, além do leite materno.
 
Pesquisas científicas recentes já apontaram que é importante para o desenvolvimento da criança que ela mesma se aventure com as mãos ao tentar se alimentar.
 
Estudo realizado no Reino Unido e publicado pelo British Medical Journal, apontou que crianças que usam as próprias mãos na tentativa de se alimentarem sozinhas, costumam fazer escolhas mais saudáveis e teriam menores chances de desenvolver problemas de saúde como a obesidade.
 
Trata-se do método BLW (Baby Led Weaning) que traduzido é Desmame Guiado pelo Bebê, em que a autonomia da criança para se alimentar já é estimulada. O método foi criado pela consultora britânica em saúde Gill Rapley, e tem chamado à atenção na Europa, Estados Unidos e agora também no Brasil. 
 
Essa “técnica” se constitui no preparo de uma alimentação com pedaços maiores, o que foge da tradicional papinha pastosa, e assim, a criança é instigada a pegar o alimento com as mãos e esse ato de se alimentar sozinha, de escolher literalmente o alimento, produziria na criança um senso de escolha muito mais saudável que a nortearia no decorrer da infância, o que poderia resultar em longo prazo na queda da incidência de obesidade, se as crianças desde muito cedo aprendessem a se alimentar com consciência, de maneira saudável.
 
Esse e outros estudos pelo mundo só demonstram a preocupação com a realidade atual da obesidade infantil. 
 
Para a pediatra Denise Lellis Garcia, o trabalho do pediatra vem mudando ao longo dos anos: “Há 30 anos o papel do pediatra era garantir que a criança chegasse saudável aos 5 anos. Na época eram comuns doenças como diarreia, pneumonia e outras doenças que podiam até matar. Hoje com o controle de muitas doenças infecciosas, o papel do pediatra é garantir a saúde do futuro adulto”.
 
Segundo o estudo Dez passos para a alimentação saudável da criança menor de 2 anos, recomendado pelo Ministério da Saúde e  pela OPAS – Organização Pan-Americana da Saúde, a orientação é a de que grupos alimentares distintos sejam combinados de maneira equilibrada na dieta infantil. O estudo sugere uma relação de alimentos dos grupos: leguminosas, cereais, raízes, alimentos de origem animal, frutas e hortaliças (verduras e legumes).
 
De acordo com o Caderno de Atenção Básica Saúde da Criança: nutrição infantil – Aleitamento materno e Alimentação complementar, elaborado a partir de diversos estudos e publicado pelo Ministério da Saúde, a introdução de alimentos deve ser mantida na dieta das crianças após completarem seis meses de vida para “complementar” os benefícios do leite materno que deve ser mantido de preferência até os dos dois anos de idade da criança ou até quando esta sentir necessidade.
 
Uma realidade comum é iniciar a dieta alimentar infantil introduzindo alimentos nocivos à saúde. Segundo a pediatra, dentre os maiores erros comportamentais cometidos pelos pais estão: achar que os bebês têm vontade de comer determinado alimento, sendo que o bebê não pode sentir vontade de alimentos que ainda não conhece; outro erro é não respeitar os mecanismos de fome e saciedade da criança e compará-los aos de uma pessoa adulta que come por impulso emocional também, sendo que os bebês só comem quando sentem fome. Outro erro é substituir os alimentos recusados pela criança e substitui-los por aqueles que ela aceita mais facilmente, sendo que para que a criança se acostume com determinado alimento pode levar tempo.
 
Denise acredita que não basta culpabilizar os pais pela condição dos filhos:
 
“Hoje, com a forte presença da mulher no mercado de trabalho, muitas crianças entram muito cedo na vida escolar ou são cuidadas por outras pessoas como avós e babás. Temos que tomar esse cuidado quando nos referimos aos “pais” porque na maioria das vezes não são eles que introduzem os alimentos errados na vida de seus filhos”, explica.
 
Para a pediatra é importante que as escolas sejam orientadas a conceder mais informações sobre as repercussões da má alimentação na vida da criança, o que poderia gerar mudanças de crenças e condutas e ajudaria a criança na mudança de hábitos.
 
Outra questão levantada por Denise é a de que para as crianças maiores a mídia é o maior problema e não apenas por conta das propagandas veiculadas na televisão, mas porque as crianças assumiram uma posição de consumidoras:
 
“Relacionar alimentos de má qualidade a brinquedos e personagens infantis é tão injusto com a criança quanto eram as antigas propagandas de cigarros direcionadas aos adultos que correlacionavam o ato de fumar a status, sensualidade e poder”, argumenta.
 
Segundo a pediatra, a obesidade infantil é o mais complexo desafio de saúde pública que a medicina já enfrentou e neste caso não vale criticar a criança e nem impor soluções dietéticas quando o problema é mais complexo de solucionar:
 
“Culpar menos e acolher mais a criança obesa, não submeter as crianças a dietas muitos restritivas, trabalhar sua autoestima, imagem corporal, possibilitar a redução do sedentarismo na vida das crianças, são ações tão ou mais importantes do que as intervenções dietéticas”.
 
Será que o mundo tem dado a real importância ao mal da obesidade infantil?
 
 
Pediatra Denise Lellis Garcia: deniselellis.site.med.br
 
 
Dez passos para a alimentação saudável da criança menor de 2 anos: bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/10Pasos_ACS.pdf
 
Caderno de Atenção Básica Saúde da criança: nutrição infantil – Aleitamento materno e Alimentação complementar: www.sbp.com.br/src/uploads/2012/12/am_e_ac1.pdf
 
BLW – Baby Led Weaning (versão inglês): www.rapleyweaning.com/assets/blw_guidelines.pdf
 
Obesidade exógena na infância e na adolescência: www.jped.com.br/conteudo/00-76-S305/port_print.htm



comentários